A investigação do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que revelou uma série de suspeitas de fraudes em licitações e corrupção na Prefeitura de Jaguaruna teve inicio a partir de um fato bastante inusitado. Em 2018 um salão de beleza foi contratado para realizar obras de manutenção nos postos de saúde do município. O caso despertou a atenção dos investigadores que, depois de mais de 20 meses de trabalho, descobriram que aquele não era um episódio isolado.
Para participar da licitação, o negócio buscou se revestir de legalidade. Segundo o MPSC, a cabelereira Noeli da Silva Oliveira cedeu sua empresa para o seu irmão Júlio César Oliveira, o Baiano, alterar o objeto social da mesma e acrescentar atividades secundárias como obras, serviços de pintura, manutenção e afins.
Em setembro de 2018, o município lançou uma licitação na modalidade convite para o fornecimento de material e mão de obra para limpeza e manutenção das Unidades Básicas de Saúde (UBS). A empresa de Noeli foi a vencedora e assinou um contrato de R$ 145.570,38. A suspeita é que o certame estava previamente direcionado.
Júlio César era Diretor de Departamento da Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Pesca nesse período. Deixou o cargo cinco dias antes do certame. Mais tarde foi promovido a Secretário de Obras na Prefeitura de Jaguaruna.
Conforme a investigação, quem passou a executar tal contrato e gerir o ramo de construção civil da empresa foi Júlio César, sendo que ele seria sócio oculto de sua irmã. O MPSC aponta ainda que Noeli tinha conhecimento dos atos praticados e auxiliava na administração dos negócios.
Outro fato que chamou a atenção dos promotores é que as empresas convidadas para participar da licitação – Noeli da Silva Oliveira ME, Target Ltda. e Claudemir da Silva Borges EIRELI – não possuíam empregados com carteira assinada registrados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A empresa de Noeli passou a ter um servente de obra cadastrado dois meses depois da licitação que venceu.
As três empresas têm diversos contratos com a prefeitura de Jaguaruna e são investigadas assim como seus sócios. O MPSC suspeita ainda que a Target seja, na verdade, de propriedade do prefeito afastado Edenilson Montini da Costa (PSL), apesar de estar no nome de Fábio Nascimento José da Silva. Pela proximidade que o então chefe do executivo tem com os envolvidos, o MPSC acredita que ele possuía pleno conhecimento da manobra.
Os contratos da servidora
Outro caso investigado envolve a servidora pública Rosimeri Boaventura Borges. Com um cargo efetivo na Secretaria de Educação e Cultura, ela também é proprietária da Papelaria Arco Íris, no centro da cidade. Ocorre que, desde 2002, sua empresa mantém inúmeros contratos com o município de Jaguaruna para o fornecimento de itens de papelaria.
Conforme o MPSC, Rosimeri fraudava as licitações que sua empresa participou, mediante o ajuste prévio com os demais concorrentes. Os promotores encontraram várias trocas de e-mails entre ela e representantes de outras empresas que simulavam concorrer com ela nos certames.
Segundo a investigação, “a metodologia empregada pela investigada Rosimeri consistia em montar o orçamento da sua empresa Arco Íris e das supostas concorrentes […]. Logo após, ela mandava o arquivo do orçamento já pronto para os representantes dessas empresas, os quais a remetiam na sequência com suas assinaturas e carimbos.”
Rosimeri é esposa do também investigado Claudemir da Silva Borges, o Negão dos Correios. Ele é proprietário da Borges e Boaventura Construções e é apontado pelo MPSC de participar pro forma em algumas licitações com sua empresa, como no caso em que a cabelereira Noeli venceu a licitação para manutenção das UBS.
Série de crimes
A partir dos primeiros indícios apurados, a investigação avançou sobre outros contratos e licitações e descortinou uma série de crimes praticados no município. O MPSC sustenta que havia uma “organização criminosa na espinha dorsal da Administração Municipal de Jaguaruna, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter, direta e indiretamente, vantagem indevida”.
A investigação começou em março de 2019 pela 1ª Promotoria de Justiça de Jaguaruna, que solicitou apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) de Criciúma. A certa altura das investigações, em interceptações autorizadas pela Justiça, foram captados áudios que implicavam diretamente a participação do prefeito Edenilson Montini da Costa. Por ter prerrogativa de foro, a investigação foi remetida à Procuradoria-Geral de Justiça.
Reportagem do Portal Infosul publicada nesta quarta-feira, 30, mostrou que o MPSC coloca o prefeito afastado no centro de uma suposta organização criminosa que inclui ainda familiares, empresários e servidores públicos do município.
Também são investigadas as participações de Delson Goulart Pereira e Márcio Garcia, sócios da empresa Eletro Sate, que possuía vários contratos com a prefeitura. Segundo consta no relatório “parte dos recursos recebidos pela Eletro Sate pelo Município de Jaguaruna retornavam aos integrantes da organização criminosa, havendo participação direta de Edenilson, Everaldo [da Costa, irmão do prefeito], Delson, Márcio Garcia e Márcio Cabral Schimitz.”
O Ministério Público também apura o envolvimento do engenheiro Guinther Alves Júnior, dono da J. A. Engenharia Ltda., que foi quem efetivamente executou a construção de três cabeceiras de pontes no município. No entanto, a obra era objeto de uma licitação em que sua empresa ficou em segundo lugar.
Há ainda a suspeita de que Pedro Graciano da Silva, proprietário da PG Terraplanagem, venceu uma licitação que teria sido fraudada para lhe beneficiar. Ele venceu o pregão de locação de uma escavadeira, mas inicialmente, havia sido inabilitado, tanto por não fornecer documento quanto por apresentar uma máquina fora dos padrões exigidos no edital. De acordo com o MPSC, houve um esforço conjunto de outros investigados para reverter a desclassificação.
Operação Sargento Vitto
As investigações ainda seguem e até o momento não foi oferecida denúncia contra nenhum dos suspeitos. Os promotores alegam que há indícios fortes para a ocorrência de crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato e fraude em licitações.
No último dia 17 foi deflagrada a Operação Sargento Vitto, que cumpriu mandados de busca e apreensão para recolher provas e dar sequência na apuração. Na ocasião, a Justiça determinou o afastamento das funções do prefeito Edenilson Montini da Costa e outros seis servidores públicos.
A Justiça também decretou a suspenção dos contratos e pagamentos a serem feitos a 14 empresas. Os investigados tiveram ainda bens bloqueados, tanto para garantir o ressarcimento ao erário quanto para assegurar o pagamento de eventual pena pecuniária.