Vice-campeão paulista, o Água Santa foi uma das grandes sensações dos Estaduais em 2023. O clube de Diadema, no ABC Paulista, fez grande campanha, eliminando São Paulo, Bragantino e dando um susto no Palmeiras do português Abel Ferreira no primeiro jogo da decisão. A segunda colocação garantiu ao jovem clube paulista, que se profissionalizou há 10 anos, um calendário nacional inédito em 2024, com Série D e Copa do Brasil.
Sem competições no segundo semestre, o Netuno, como é conhecido, terá um longo período para melhorar as estruturas do clube em busca de voos maiores dentro do cenário estadual e nacional. Durante os próximos oito meses, o clube pretende reformar o Distrital do Inamar, que não possui iluminação, e vai concluir as obras do alojamento e do refeitório para oferecer maior conforto aos atletas e comissão técnica.
Um profissional de Tubarão faz parte do processo de crescimento do clube paulista. O analista de desempenho João Manoel, de 31 anos, está no Água Santa desde agosto de 2020. Ele participou diretamente da montagem do elenco que terminou com o vice-campeonato estadual nesta temporada.
Em entrevista ao Portal Infosul, João Manoel relembra seu início no Tubarão em 2018, comenta ida para o futebol paulista e revela os bastidores do Água Santa. O analista de desempenho também fala sobre a campanha do acesso para a Série A1 do Paulista, em 2021, e explica os motivos que levaram os diademenses ao sucesso neste ano.
Confira a entrevista com o analista de desempenho do Água Santa, João Manoel:
Como foi seu início no futebol e por quais clubes e categorias passou até chegar no Água Santa?
— Minha trajetória no futebol iniciou em meados de 2018. Eu fazia faculdade de Educação Física e a Unisul me proporcionou um estagiário de seis meses no Tubarão. Com três meses fui efetivado para fazer a parte de análise de desempenho das categorias de base do clube. Eu cuidava do sub-15, sub-17 e sub-20.
Eu dividia a sala do Departamento de Análise de Desempenho com o Cristiano Garcez, que hoje está no Figueirense como analista. Ele era responsável pelo profissional e sempre que possível eu estava junto com ele nos treinos e nos jogos, mesmo não sendo minha carga horária, mas pela parceria e amizade que criamos, sempre estava com ele auxiliando e realizando trabalhos também para o profissional como um ‘analista 2’. Eu era responsável pela base, mas a demanda no profissional era grande e eu fazia questão de estar junto para ajudar e aprender mais
Em 2020, o Cristiano foi efetivado para auxiliar-técnico e nisso fui efetivado para analista do profissional. Fiquei cerca de três meses e logo veio uma proposta da Penapolense para a disputa dos últimos três jogos da Série A2 do Paulista. Fiz os três jogos, acabou a A2 de 2020 e depois veio a proposta do Água Santa, em agosto de 2020. Participei da Copa Paulista de 2020 e da campanha de acesso no vice-campeonato da A2 em 2021. Em 2022, fizemos 11 pontos no Paulistão, fomos o 14° de 16 clubes e conseguimos a permanência.
Montagem do elenco para o Paulistão 2023
— O processo de montagem do elenco é feito muito antes da competição. A gente tenta sair na frente o máximo possível. Além da análise de desempenho, faço a análise de mercado junto ao Júlio Rondinelli, que é o executivo de futebol. Sempre vemos muito jogos. O alvo do Campeonato Paulista é a Série A (14° para baixo), Série B, alguns da Série C e algumas apostas da Série B. Assistimos muitos jogos. Tivemos que sair na frente porque não tínhamos um calendário da CBF para esse ano. Graças a Deus no ano que vem teremos Série D e Copa do Brasil e dessa forma é mais fácil de atrair um atleta. Por exemplo, Novorizontino e Ituano, por exemplo, dão contrato para atletas para o Paulista, já estendendo para a Série B. O atleta já consegue se organizar na questão de filhos, escola.
Na parte de análise de mercado, o ‘cabeça’ do clube é o Júlio Rondinelli. Temos um banco de dados muito bom, com todos os filtros, detalhamento de cada atleta (posição, altura, pé dominante).
Qual era o objetivo do Água Santa no Paulistão 2023 no início da temporada? O desempenho foi uma surpresa ou isso tudo foi planejado e é fruto do trabalho feito pelo clube nos últimos anos?
— O objetivo do Água era 100% a permanência. No ano passado conseguimos escapar na penúltima rodada. Desde que conhecemos o trabalho do Thiago Carpini e os membros da comissão técnica que vieram com ele, a gente sabia que poderia ir um pouco mais pra frente nesse Paulistão. A maioria dos atletas se apresentou no dia 16 de novembro. Alguns que estavam disputando a Série A e B se apresentaram na primeira semana de dezembro. Vimos que o elenco era muito bom, muito qualificado e poderia dar muitos frutos, como deu.
Trabalho com o técnico Thiago Carpini
— Com a chegada do Thiago Carpini fizemos uma boa Copa Paulista (2022), tiramos bons frutos. Fizemos contrato para o Paulistão 2023 com cinco atletas que disputaram a competição. O Gabriel Inocêncio é um deles (foi para o Santos). Fez uma boa Copa Paulista, uma boa Série A1 neste ano e foi negociado para o Santos.
No Água sou responsável pela análise de desempenho. Temos uma outra pessoa que trabalha comigo, que é o Alê. Ele me auxilia e nós tentamos filtrar o máximo de informações para passar para o Carpini, toda comissão, diretoria e logo após para os atletas. A gente faz toda a parte de scout, relatórios, análise de vídeo. Buscamos filtrar tudo nos mínimos detalhes.
Qual jogo você considera a ‘virada de chave’ para o Água Santa em 2023?
— Um dos melhores jogos que fizemos foi na primeira rodada, contra a Ferroviária. Perdemos por 3 a 1, mas tivemos muito volume de jogo e perdemos no detalhe. No segundo jogo, perdemos para o Corinthians, na estreia deles na Neo Química Arena. Em nenhum momento passou pela nossa cabeça que iríamos ser rebaixados. O Carpini sempre bateu na tecla sobre a classificação. O grupo comprou a ideia, assim como toda a comissão técnica e diretoria. Empatamos com o São Bento no terceiro jogo e tínhamos um ponto apenas. A quarta rodada acho que foi a virada de chave para o Água. Foi um jogo lá em Santos, contra o Santos, empatamos em 0 a 0, mas jogamos muito bem. Depois emendamos três vitórias seguidas, depois perdemos para o Palmeiras, ganhamos quatro seguidas, empatamos com o São Paulo (quartas), com o Bragantino (semi) e chegamos ao vice-campeonato.
Nesse período de pouco mais de dois anos desde a sua chegada ao Água Santa, a evolução do clube te surpreendeu? Como é fazer parte de todo esse processo (desde o acesso até a final do Paulista esse ano)?
— Sou muito grato ao Água Santa. Desde que eu cheguei o clube proporcionou a todos, da comissão técnica aos atletas, alimentação, descanso. O clube está passando por uma evolução muito grande a partir desse momento. Não vai disputar nenhuma competição no segundo semestre em prol de colocar a iluminação no estádio, fazer os alojamentos, refeitório, campos de treinamento. Tem um bom espaço atrás do estádio que possibilita a construção de três a quatro campos. Nosso refeitório hoje é em uma casa próxima ao estádio, cerca de cinco minutos. Temos uma base quase pronta de alojamento e refeitório.
Tudo está sendo organizado para que ano que vem possamos dar sequência ao trabalho desse ano. O clube tem um investimento muito bom e dá todo suporte financeiro e de logística. Ficamos algumas vezes em Guararema, em um CT espetacular, campo bom, alimentação boa. A comissão técnica e os atletas participam de todas as concentrações. Em jogos importantes fomos dois dias antes. O clube dá toda a importância para atletas e comissão.
Destaques emprestados
— Renovamos com 12 atletas já para o próximo Paulistão. O elenco é composto de 26 atletas, mais alguns da base. Digamos que já temos 50% do grupo ponto para o ano que vem. Como não temos calendário para o segundo semestre, esses atletas serão emprestados, como o Gabriel Inocêncio, Luan Dias e Bruno Mezenga, que foram para o Santos. A expectativa é que eles voltem para disputar o próximo Estadual pelo Água Santa.
Como é o dia a dia de trabalho de um analista de desempenho?
— No dia a dia, numa semana de jogo, por exemplo, logo após a partida, já deixamos separado tudo o que a comissão técnica precisa. Gols, jogo completo, compacto, costumamos separar ‘organização defensiva e ofensiva’, ‘bola parada’. No máximo uma hora após o jogo já temos tudo separado. No outro dia começamos a trabalhar visando o próximo adversário. Com o Carpini, durante a semana repassamos aos atletas algumas situações de jogo em vídeo, pontos positivos, pontos negativos. Em algumas situações o Carpini solicitou os últimos três jogos, outras os últimos cinco jogos (do adversário). A partir disso começamos a trabalhar, separando pontos positivos, negativos, organização, transição, bola parada, jogadas ensaiadas. Logo depois montamos um vídeo para passar para a comissão técnica, esse um pouco mais prolongando, com mais detalhamento, e para os atletas procuramos passar um vídeo de cinco, seis minutos no máximo.
Aprendizado no Paulistão 2023
— Aprendemos muito com os grandes clubes e com os outros também. A cada jogo aprendemos algo a mais. O Palmeiras do Abel Ferreira é muito organizado taticamente, muito fiel ao que é o Palmeiras. Cada jogo surpreende. Estudamos muito o Palmeiras, assim como todos os outros clubes. Tínhamos todas as informações possíveis de todos os adversários.
O seu futuro já está definido? Como o Água Santa só volta a competir profissionalmente em 2024, você permanece na base ou pode pintar em outro clube para a sequência da temporada?
— Minha permanência no Água segue em aberto. Nada definido para esse segundo semestre, já que o clube não vai participar de nenhuma competição. Pode ser que eu exerça alguma função no sub-20 como analista ou auxiliar ou fique na parte de monitoramento para o Paulistão do ano que vem. Talvez alguma situação para outro clube, mas nada definido ainda.
Você pensa em ser técnico? Temos um exemplo recente de um profissional da sua função, Fernando Lázaro, que deixou de ser analista de desempenho pra ser técnico do Corinthians.
— Já me fizeram muitas vezes essa pergunta, até internamente no clube. Não tenho esse desejo, pelo menos por agora, de exercer a função de treinador. No Água, como sou analista de desempenho e mercado, após a conclusão do trabalho que é feito durante a semana, estamos sempre no campo auxiliando a comissão técnica, o treinador, em função do treino e dia a dia de trabalho. Querendo ou não, estamos diariamente no campo, auxiliando, conversando com os atletas e com a comissão.